"Esta é uma história antiga...o cenário é a Ericeira, uma pequena vila piscatória localizada a 35 quilómetros de Lisboa, que chegou a ser o quarto maior porto do país. Não é por isso de estranhar que a vila fosse habitada maioritariamente por gente do mar.
Recuemos no tempo, às últimas décadas do século XIX, centremo-nos no porto da Ericeira e apresentemos uma das figuras mais carismáticas da vila: o sinaleiro da entrada do porto. Claro que havia mastros com bandeiras de sinalização mas a ajuda do sinaleiro era fundamental e nenhum pescador a dispensava.
Mas o que faziam os sinaleiros? Quando o mar estava bravo eles colocavam-se num local estratégico, o muro das arribas (no cimo da praia dos Pescadores, com mais de 20 metros de altura) e, usando uma "marca" - um barrete, um pano, ou até a própria camisa -, faziam sinais aconselhando o melhor momento, a melhor onda para trazer, em segurança as embarcações para o porto de salvação. Não tinham qualquer tipo de formação específica; apenas a experiência acumulada de muitos anos de mar, de muitas horas a ver o mar.
Francisco Piloto
Postal antigo
Sinaleiros que nunca esquecidos:
O livro "Os Sinaleiros do Mar na Ericeira", de Leandro Miguel dos Santos, é um digno reconhecimento ao trabalho desses homens a quem chama "anjos da guarda". Dos vários sinaleiros descritos na obra, destacamos três.
Victorino Dias, o "Cachafana", nasceu na Ericeira em 1833. Diz-se que fazia os sinais usando o seu próprio barrete. Era bastante popular e simpático tendo para isso contribuído o facto de ser pregoeiro, isto é, apregoava as novidades pelas ruas da Ericeira; anunciava o começo da lota na praia, promovia a fruta de qualidade de uma qualquer mercearia ou, simplesmente, avisava as pessoas de algum objecto perdido ou achado. Considerado um Jornal Vivo, homenagem póstuma ao pregoeiro. Descrito como: "um jornal de carapuça na cabeça e de jaleca ao ombro.(...)foi sempre muito sóbrio de estilo; dizia concisamente o que tinha a dizer, esticando apenas a mão esquerda no ar e apontando para o alto com o respectivo indicador."
Já Francisco Piloto, a 5 de Outubro de 1910, numa tarde com mar muito agitado, ajudou os arrais das barcas Bonfim e Navegador a transportarem a Família Real e seu séquito até ao iate D. Amélia, de partida para o exílio. Francisco Piloto mandava avançar os barcos assobiando e gesticulando com os braços. Além de sinaleiro, foi também banheiro na praia do Sul. Ensinou muita gente a nadar e salvou muitos. Francisco Piloto foi condecorado pelos seus serviços humanitários e exibia frequentemente a medalha.
Por fim, José Santos Reis, conhecido como "Zé Lebre", foi o sinaleiro que se manteve mais tempo em actividade: 31 anos!
Por fim, José Santos Reis, conhecido como "Zé Lebre", foi o sinaleiro que se manteve mais tempo em actividade: 31 anos!
Victorino Dias
Postal antigo
Os tempos estão muito diferentes; o último sinaleiro, Francisco Antunes Serrão "Fução", deixou de fazer sinais em meados dos anos 90. Actualmente, já quase não há pescadores na Ericeira e os barcos têm sistemas de navegação que dispensam qualquer sinaleiro."
Fonte; texto: Frederico Gonçalves - Revista Itinerante, nº 2/Março 2010